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sexta-feira, 2 de julho de 2010

desejo de torturar criança IV


Depois de poucos anos de formado em engenharia mecânica, formalizei uma união estável, que perdurou por dez anos, e, então, nesse ínterim, meu filho nasceu.
A educação pela palmatória pedagógica era, inconscientemente, intrínseca em meu espírito eclipsado de genitor, pois, por duas vezes, meio motivado por terceiros, eu o castiguei à meus pais, que foram criados na zona rural de uma localidadezinha piauiense qualquer, antes da década de sessenta, e, portanto, os conceitos de educação, adquiridos de meus avós, eram perfunctórios. Eles, meus avós, compactados no pujante analfabetismo, viviam da agricultura de subsistência. Na época, segundo ouvi, homem de valor era aquele que tinha um paiol abarrotado de cereais, montava em cavalo e pegava gado bravo na jurema, passava dias e noites enfurnado no mato caçando animais silvestres, etc. Estudo, naqueles rincões, não tinha valor.
Minha mãe, criada por uma madrasta, nunca foi a uma escola: se aprendesse a ler, segundo o meu avô, iria escrever bilhetes pros homens; meu pai, coitado, mal aprendeu, depois de adulto, a esboçar o nome no MOBRAL – Movimento Brasileiro de Alfabetização, implantado no regime militar. Não posso culpá-los por cultuarem a educação pelo castigo. Eram inocentes, influenciados pela herança educacional da tortura psicossomática. Agora, eu, com nível superior de educação, não poderia ser influenciado por esse método decrépito de ensino. Mas era. Parece-me que não era eu quem o açoitava, mas aquela criança que ficou internalizada dentro de mim com choros soluçantes, apertados e engasgados depois de uma surra; aquela criança que resmungava de revolta olhando os “camaleões” distribuídos aleatoriamente por todo o corpo, que ardia em febre rubra.
Pois bem, certo dia, depois de um julgamento relâmpago, sem direito de defesa do réu, decidi castigar o meu filho. Ao levantar o cinto, perverso objeto de tortura, ele, completamente trêmulo, com as mãos postas como quem vai rezar, suplicou-me, humilhantemente de joelhos e com uma visão heliotrópica, para que eu não o açoitasse. Minha mão ficou inanimada no ar. Um remorso corrosivo invadiu as minhas vísceras e, então, o fantasma da covardia recolheu sua sombra lúgubre que pairava sobre mim.
Chamei-o para a sala e, em gestos mecânicos e formais de autoridades, pedi que se sentasse numa cadeira. Assustado, com expressão de pânico, sentou-se em um quarto da cadeira como se estivesse, a qualquer momento, esperando um açoite. Prolongadamente, sem conflagrações, conversamos. Parece-me, sem elucubrações precipitadas, que a conversa foi mais pungente do que o castigo. Eu me senti mais confortável: os matizes decrépitos da tortura, que poderia me transformar num monstro perante meu filho, enraizados desde a minha infância, foram enigmaticamente diluídos do meu ser.
Desde aquele diáfano dia, aposentei todos os objetos de tortura e passei a condenar e abominar o castigo torturante em crianças.

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