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quarta-feira, 10 de março de 2010

o viciado



No ano de 1860, aproximadamente, Antonio Meucci, num jornal de língua italiana, publicou, na cidade de Nova Iorque, a descrição do telefone, denominando-o de teletrophone. Antes de 15 de junho de 2002, a invenção era atribuída a Alexander Graham Bell, mas, depois de tal data, é reconhecido como instituidor do telefone o italiano Antonio Santi Giueppe Meucci. O telefone é um aparelho que converte energia acústica em energia elétrica e vise-versa.
Num passado próximo, telefone fixo era um luxo e et cetera e tal. Não bastava ter dinheiro para comprar um telefone, era obrigado ter, principalmente, muita paciência. O provérbio oriental diz: “paciência é uma árvore de raízes amargas e frutos doces”. Pois bem, nessa época, minha irmã iniciara o pagamento de um telefone fixo para a minha mãe e, depois de mais ou menos mil dias, recebeu autorização para operar a linha. Foi uma festa! Alegria total! Sobre uma mesinha, lá estava, todo peculiar, o objeto de admiração: cor vinho e com uma das teclas em destaque denominada redial – uma maravilha, pois era responsável pela rediscagem de números. O número de nosso telefone foi distribuído para toda a vizinhança e, quando ele chamava (tocava), a gente saia correndo no maior alvoroço para atendê-lo.
O tempo foi passando e o telefone passou a ficar irritantemente chato e sem escrúpulo: tocava no meio da noite e, do outro lado, alguém pedia para eu ir chamar Fulano de Tal; os vizinhos faziam compras a prazo no comércio e registravam o nosso telefone como se fosse de suas casas e, então, recebíamos cobranças de domingo a domingo; às vezes, íamos chamar o vizinho e ele, como já avaliava que era cobrança, ficava completamente alterado e dizia que tinha mais o que fazer! Dá licença! Inconveniência total!
Várias vezes, o telefone, insistentemente, tocava até abusar, mas eu não atendia. Dá licença! O toque ladainha irritante, estridente e periódico tornou-se, para mim, um terror. Uma lavagem cerebral. Fazia um “tuuuuut” tão profundo que chacoalhava os meus tímpanos dolorosamente e agredia incomodamente a minha alma. Quando eu estava estudando, o telefone “tuuuuut”; quando eu estava almoçando, o telefone “tuuuuut”; quando eu estava tomando banho, o telefone “tuuuuut”; quando eu estava... “tuuuuut”, “tuuuuut”, “tuuuuut”... Percebeu como é irritante? Eu não atendia, mas voltavam a ligar, então, com cuidado, retirava o fone da base e deixava-o descansando sobre a mesa. Um dia alguém me disse: “não faça isso, pois continua contando os pulsos”. Que pulsos? Eu lá sabia! Eu queria era paz! Era melhor ele contar esses tais pulsos do que eu cortar os meus pulsos. O “tuuuuut” do telefone ficou gravado de tal forma na minha memória que eu não gosto de ficar muito tempo onde tem um telefone fixo. Detesto ouvi-lo. Será que não tinha como inventar um outro tipo de toque para aquele desgraçado?
Criei uma aversão incondicional a telefone, no entanto, depois de muita insistência dos meus colegas, resolvi, há mais ou menos dois anos, comprar o meu primeiro celular, pois posso configurá-lo de acordo com a minha personalidade.
Agora, vejo que não poderia ficar isolado do celular: virou moda no mundo contemporâneo. Ao tocar, provoca alvoroço. O assunto mais babaca do século torna-se, diante de quem está só observando uma pessoa tagarelar no telefone, a conversa mais charmosa do mundo, pois o receptor da chamada afasta-se do círculo de colegas, encosta-se em um carro, rodopia nos calcanhares, olha de soslaio para ver se está sendo observado, solta risos abafados, ajeita o cabelo e, ao terminar o bate-papo, aproxima-se com um olhar superior de quem estava conversando com um deus. Apenas quer dizer: “viram, eu sou importante”. Maldito celular!
Hoje, o celular, quem diria, é um dos meus vícios. O tempo todo estou na sua dependência e, paralelamente, a vigiá-lo. Às vezes, impacientemente, procuro alguma mensagem na caixa de entrada ou uma ligação perdida no item ligações recebidas... mas nada. Coloco o celular sobre a mesa e, como se estivesse combinado com alguém para ligar-me, fico a fitá-lo na esperança de vê-lo, a qualquer momento, animado, mas nada. E a angústia da espera fundi-se com a tristeza do celular gerando um pico depressivo que me faz caminhar, em circulo, pelo interior da casa. Nada! Ninguém me liga! A caixinha preta insensível não me diz nada. Vasculho a agenda. Tantos números e tantos nomes, no entanto continuo esquecido. Quiçá, eu não tenha nada de importante para dizer ou não mereça ouvir nada importante.
Chega a noite e, então, meus olhos, cansados de boiar nos furos cranianos, fecham-se no amargo silêncio do esquecimento. O telefone, uma grande invenção que traumatizou a minha mente, é, hoje, o meu objeto de tensão. Maldito e emocionante celular!

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