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quarta-feira, 17 de março de 2010

"mãe, eu sei que tu tá escondida!"


As religiões, na tentativa de explicar a vida após a morte, divergem e, portanto, não conseguem desvendar, convincentemente, esse mistério. Catolicismo, judaísmo, islamismo, espiritismo, cristão esotérico, budismo, hinduísmo, wiccas e bruxas tradicionais fazem uma grande celeuma sobre o tema que, em sinopse, resultará em uma verdade enigmática.
Céu, inferno, purgatório, nirvana, olam habá (mundo vindouro), paraíso, cemitério (inegável) são temas exaustivamente discutidos nas religiões, no entanto, a saudade de uma pessoa que morreu fica transbordando no nosso peito até ser estancada pelo tempo, mas nunca curada.
O filho de uma irmã de minha mãe casou-se e, como não conseguiu emprego no Piauí, foi, juntamente com a esposa, a exemplo de seus irmãos, morar em Brasília.
Um dia mau e tenebroso qualquer, sem nenhuma justificativa persuasiva, a esposa dele, numa veia de trânsito da capital federal, foi, no nervosismo cotidiano de terráqueos sem identidades, atropelada fatalmente por um automóvel. Ali, ignorado no meio-fio da rua, estava um corpo sem futuro e com o pretérito incompleto, pois sonhava em criar os seus dois filhos.
As duas crianças, uma com quatro e outra com cinco ou seis anos, eu acho, foram enviadas para a casa dos avós, encravada na zona rural de Floriano (PI). Eles, os avós, têm, também, uma casa na zona urbana da cidade, localizada à direita da minha. De quando em vez, principalmente no período de receber o dinheiro da aposentadoria, eles aparecem e, em dois dias, no máximo, desaparecem. Chegam a casa e saem dela tão rápido que se pode chamar de efeito beija-flor. Certo dia, chegaram com as crianças órfãs de mãe. Mostravam-se tão ansiosas e assustadas, meu Deus, que pareciam estar sendo levadas para um cadafalso. De mãos dadas, ficavam quase o tempo todo. Acho que uma se apoiava na outra para superar os percalços imprevisíveis da vida. Dava a impressão que elas se sentiam seqüestradas e jogadas naquele cativeiro estranho: casa nova, cidade nova, parentes (?), etc. Afinal, tudo aquilo era diferente para elas. Passavam, então, o dia inteiro, a caminhar, de mãos dadas, uma atrás do outra. Olhavam atrás das portas, debaixo das camas, dentro dos armários, no quintal e onde fosse possível. Procuravam a mãe, pois ela, segundo me disseram, gostava muito de brincar de esconde-esconde com eles. Não sorriam, não falavam, não brincavam e, portanto, não se comportavam normalmente como crianças. Olhos medrosos, desconforto e sensação de abandono marcavam, indelevelmente, os dois pequenos.
Num determinado dia inesquecível, ao fechar da tarde, quando chegava em casa, eu os vi, vestidos numas roupinhas limpas e de tecido ordinário, sentados em cadeiras, de mãos dadas, um ao lado do outro. Estavam, com os cabelos ainda molhados de um recente banho, balançando as perninhas e, com as cabeças inclinadas para frente, olhavam, como se a mãe fosse apontar a qualquer momento no horizonte, a rua completamente deserta.
Quando adentrei em casa, a minha ex-esposa, também meio triste, contou-me que os meninos passaram o dia todo vasculhando a casa dos avós e, paralelamente, dizendo: “mãe, eu sei que tu tá escondida!” Foi a única frase que ela ouviu deles.
Infelizmente, isso não sabiam, mas ela, a mãe deles, estava escondida eternamente, como muitos outros piauienses, num cemitério modesto de Brasília. Escondida para sempre!
Naquela noite, a insônia invadiu-me a alma(?) e, nas religiões, não encontrei respostas para as minhas perguntas.

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