sala VIP

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

despedida


Fui estudar em Teresina. Hospedei-me na casa do irmão Ribeiro e da irmã Silvana, que são da mesma doutrina dos meus pais: Adventista do Sétimo Dia. Pensava em fazer o vestibular na Universidade Federal do Maranhão, em São Luís.
No colégio, conheci uma garota. Era uma morena, de cabelos pretíssimos e escorridos, de pernas bem torneadas e de seios pequenos. À tarde, quando terminavam as nossas aulas, enfurnávamos, eu e ela, numa biblioteca municipal, no centro da cidade, para explorar a Literatura Nacional. Li quase todos os escritores piauienses. Aplaudi O. G. Rego de Carvalho. De quando em vez, o vigilante nos surpreendia:
- É proibido namorar aqui dentro!
Tinha vontade de dizer uns palavrões...mas... Tudo bem. Ele não tinha culpa: cumpria as normas da biblioteca.
Na época da inscrição pro vestibular maranhense, levei um tremendo azar: enviei os documentos incompletos e, portanto, não fui inscrito.
Saí desolado pra ir, pela última vez na minha vida, assistir aulas naquele colégio: tinha que retornar pra Floriano. Para tudo, olhava desconsolado. O silêncio pairava sobre o mundo: não ouvia barulho. Eu matutava mergulhado num outro mundo distante... o mundo interior. Entrei num ônibus e não senti a presença de ninguém. Viajava sozinho. Cheguei ao colégio. Os colegas não notaram a minha indiferença. A morena olhava-me de soslaio, mas não dizia nada. Eu também não. Pouco ouvíamos, eu e ela, o que o professor de Biologia falava. Eu tinha os meus motivos, ela deveria também ter os dela, ou, então, o que achei provável, estava preocupada comigo. Não sei. Sinceramente, não sei.
Terminou a segunda aula. Alguém me pediu algumas explicações sobre trigonometria: respeitavam-me na turma. Eu disse:
- Depois!
Depois? Quando? Engraçado, eu não tinha coragem de despedir-me da turma. O professor de Química ainda não entrara na sala. Pensei várias vezes em levantar-me, ir à frente e fazer uma saudação aos companheiros. Não consegui. "Depois!" fiquei inquieto. Impaciente. Ao meu lado, a morena, que não desviava os olhos de mim, perguntou-me:
- O que você tem?
- Ham?
Repetiu a pergunta.
- É...nada!
- Como nada?
Eu usava um anel dela. Naquele momento, lentamente, tirei o anel do dedo anular da mão direita e estendi-lhe, preso entre o anular e o polegar da mão esquerda. Desviei os olhos. Fixei-os na fórmica azul da cadeira, onde eu desenhara uma casinha, alguns coqueiros, uma cerca, um sol por detrás da casinha e uma longa estrada cheia de pegatas. Uma longa estrada...
- O que significa isto?
Fiquei pasmo. Boquiaberto.
- Ham?
Repetiu a interrogação. Respondi sem convicção:
- Não gosto de recordações...
- Ah!... Eu também não gosto...
Ela não estava entendendo o que estava se passando. Não gosto de recordações, mas aquele anel quase me fez chorar. A casinha, uma longa estrada...
- Você desenha bem.
Fiquei calado.
Com os olhos fixos na longa estrada, disse eu:
- Se em algum momento eu lhe feri, perdoe-me. Foi legal.
Um pouco indignada, levantou a cabeça e, jogando os cabelos pro lado direito, sorriu-me desconfiada. Incerta. Insegura. Meio trêmulo, levantei-me e, dobrando o caderno em forma de tubo, afastei-me devagar, devagar... No meio da sala, rodei nos calcanhares e, meio sem graça, acenei pra ela. Estava imóvel. Pasmada. Baixou a cabeça. Não sei se chorou... não sei. Ao sair na porta, alguém, de dentro da sala, interrogou-me:
- Já vai?
Era uma colega. Forcei a fala:
- É... estou de partida.
As lágrimas despencaram-me queixo abaixo. Limpava os olhos como se tivesse caído alguns aerodispersóides dentro deles. "Não gosto de recordações". Talvez fosse verdade: nunca mais tive notícias dela. Naquele momento, tudo acabara entre nós. Eu disfarçando que tinha ciscos nos olhos e ela, com os cabelos a cobrir a face, rabiscando o caderno.

João Pessoa (PB), 1992

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