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segunda-feira, 10 de agosto de 2009

poeta de bar e acadêmico sem farda



O pêndulo da paciência entorta as minhas idéias em função da maturidade. As idéias expandem-se sob os ossos da minha caixa craniana. O espelho, numa parede desbotada, reflete um rosto inexpressivo. Em cada batida do relógio, sinto os ponteiros aprofundando os sulcos da minha face. O bigode virgem, que muitas vezes já me intitulou de senhor, arrasta-me para a escrivaninha e força-me contra a cadeira giratória. Então, agrido as laudas com o meu íntimo descontente.
Nesse momento, sinto que a minha visão holística do mundo naufraga no mecanicismo reducionista de Isaac Newton. E se Galilei Galileu acha que a matéria é independente dos sentidos (visão, audição, olfato, gosto e tato), eu, numa solitária mesa de bar, fico a alcoolizar, através de gestos monótonos, as células cerebrais, e, em seguida, depois da homogeneização matéria/sentidos, sou um homem que sei avessar o meu interior através de frases. Frases compostas por letras, sílabas, esforços, coerência e prazer.
Ao entrar na academia (UFPb), troquei a minha farda (pele secundária) por uma camisola de dormir, confeccionada com algodão ordinário. Na camisola, eu tenho liberdade de sentir contrações das víceras musculomembranosas e, durante a noite, borrá-la. Na ressaca infernal da manhã, escrevo, respirando o ranço noturno, um poemaluco ou uma porralouquice qualquer, sem medo da pena neurastênica da crítica.
Os acadêmicos da poesia não devem preocupar-se com os rebentos bêbados: o coração da poesia bate em todos os tórax, lançando versos nas veias de quem se nega a morrer de tédio. A poesia não é para ficar confinada nos sete quilômetros de veias do corpo, circulando com plasmas, glóbulos vermelhos e glóbulos brancos, mas, sim, ir pro olho da rua.
Nós, os bêbados, somos poemas animados que, sem medo do mundo, desfilamos desordenados nos becos escuros da cidade - ruelas retorcidas que nos conduzem a eternidade.
Publicado no jornal Correio da Paraíba. João Pessoa, 07 de outubro de 1992
Depois que publiquei um poema num veículo de grande circulação na Paraíba, um crítico literário de João Pessoa escreveu que eu fazia poesia de bêbado, portanto fiz este texto e, desde então, nunca mais fui alvo do tal crítico.

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